sexta-feira, 12 de julho de 2013

O QUE DELFINA FEZ DA VIDA DELA?

Delfina, mulher dedicada à família, pouco saía. Era de casa para o mercado, voltando para casa. Vivia a vida do marido e dos filhos. Mulher de rara beleza, mas com olhar distante e triste, quando não estava lavando roupa, estava passando, faxinando a casa ou cozinhando, e como Delfina cozinhava bem. Empenhava-se na costura confeccionando roupas para a família toda e tricotava com esmero, sem falar de seus trabalhos de crochê nas almofadas e caminhos de mesa que usava para enfeitar a casa.

Mas Delfina fora criança um dia. Cheia de alegria, rodeada dos pais e irmãos, certamente tinha sonhos a realizar. Menina tagarela que se interessava por política, ia à vila e trazia as novidades para o pai, com certeza a gazeteira da família. Se tivesse nascido homem, teria sido um excelente advogado, engenheiro ou quem sabe um político defendendo a sociedade com louvor. Entendia de futebol e torcia com paixão pelo seu time do coração.

E Delfina cresceu, talvez imaginando que formaria uma família feliz, porém muitas mulheres foram reféns de uma criação às antigas. Mulher não precisava estudar, precisava apenas aprender a cozinhara bordar e costurar. Perfeito, se fossem respeitadas e se fossem paparicadas. Só que não foi isso que aconteceu com Delfina.

Casou-se com o melhor partido da cidade. O bonitão do bairro, e como era homem, numa sociedade machista, fazia das suas, pois macho que é macho tem a esposa casta em casa que servia para procriar e cuidar da casa e da família e, para saciar seus desejos mais recônditos, se valia das mulheres desfrutáveis que, por troca de alguns réis, se entregavam a seus clientes. Estas lhe davam o prazer tão almejado.

Delfina sofreu solitariamente. No refúgio de sua casa viveu momentos de angústia e desespero ao ser ameaçada fisicamente pelo marido alcoólatra. Sem apoio foi vivendo sua vidinha como pôde, depois que o marido perdeu tudo o que tinham no jogo e sumiu deixando uma dívida imensa que Delfina assumiu costurando para fora numa antiga máquina Singer cedida pela sogra. E ali, dia e noite, pedalou para colocar comida na mesa e pagar a dívida do marido ébrio.

Quase dez anos se passaram e quando sequer imaginava, Delfina se surpreende com uma figura masculina em sua soleira. Era o marido que retornara velho e doente. Mulher de uma religiosidade incomum, abriu a porta de casa e recebeu o marido a quem tinha jurado, diante do altar do Santíssimo que, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separasse, ela iria cuidar do seu cônjuge.

Os anos se arrastaram para Delfina até que por fim enviuvou, porém continuou sua vida que sempre conheceu de reclusão e servidão à família formada por cinco filhos, netos e bisnetos a perder a conta de tanta criança. 

Delfina, como viveu, morreu. Dentro de casa. Será que sonhou? Será que pensou? Será que amou? Não sei, mas a pergunta que não sai da cabeça é: O que Delfina fez da vida dela?

foto: coletada na internet (desconheço a autoria)

2 comentários:

  1. Caraca, que máximo!!!
    Adorei, amiga e cá estou aqui pensando na minha vida.....
    Gostei demais.

    Beijos da Miroca

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    1. Um bom exercício matinal, amiga... rs... pensar em nossas vidas e o que fazemos com ela!
      Bjs

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